quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

[Resenha] A casa dos budas ditosos, de João Ubaldo Ribeiro

Sempre ouvi muito a respeito de A casa dos budas ditosos, de João Ubaldo Ribeiro. Uns falavam bem, outros mal, a maioria focava na sacanagem em questão. Por isso resolvi aproveitar as férias para tirar a prova dos nove com os meus próprios olhos. 

Fernanda Torres, na adaptação teatral de A casa dos budas ditosos.
A obra começa com uma nota do autor dizendo que recebeu os relatos de CDL gravados em fita. A baiana de 68 anos resolve rasgar o verbo sobre a sua vida e pede para que o autor publique sua história. Distante dos fatos, o escritor menciona que apenas transcreveu o texto, que se transformaria no volume sobre a luxúria, da série Plenos Pecados, publicada pela editora Objetiva.

De fato, a vida de CDL é pautada em seu pleno apetite sexual, já quem ela mesma, em um momento epistemológico, diz que q vida ser resume a foder. Contudo, ao contrário de muitos livros sobre a lascívia, A casa dos budas ditosos traz uma reflexão intensa sobre a forma como a sociedade vê não apenas o sexo em si, mas a ética e o papel das mulheres no cotidiano.

CDL defende que todas as pessoas são seduzíveis. Partindo deste princípio, nossa narradora mostra como é capaz de corromper outra pessoa (homem ou mulher) por meio da oferta do prazer. É assim que ela consegue notas enquanto cursa Direito na universidade. É assim que - por meio de uma barganha nunca cumprida - cursa a pós-graduação no exterior. Também é assim que consegue drogas, quando passa a consumi-las. Entretanto, ela não usa o sexo como um negócio apenas, já que nossa narradora realmente sente prazer não apenas em conhecer o próprio corpo, mas também em explorar os corpos das pessoas com quem se relaciona.

João Ubaldo Ribeiro é um escritor visionário neste sentido. Em vários momentos ele - por meio de sua narradora - defende que as mulheres tenham a mesma liberdade que os homens ao se relacionar. Além disso, em vários trechos, sua obra condena a visão que muitos homens têm que relaciona a experiência sexual feminina a algo vulgar. CDL relata que muitas vezes teve que fingir que não sabia o que fazer na hora da transa para conseguir que seu parceiro relaxasse e aproveitasse o momento. Ela diz que se fizesse de cara o que pretendia - e acabava fazendo quando o homem se sentisse mais à vontade e seguro, normalmente não na primeira saída -, o parceiro a julgaria e perderia o tesão por ela. 

A obra defende a todo o instante a liberdade feminina, entretanto, condena a visão estereotipada que muitos têm sobre o feminismo. Nossa protagonista diz - e com razão - que ser feminista não é querer ver os homens numa posição inferior a das mulheres, mas sim ter os direitos de igualdade, de liberdade de fazer o que quiser com o seu corpo sem ser julgada, de trabalhar e ocupar os espaços sem ter alguém olhando torto, de agir conforme a própria vontade e não como a sociedade acha melhor. Se hoje podemos discutir sobre esta maneira de pensar mais aberta e facilmente - internet, sua linda! - em 1999 (ano de publicação da primeira edição do livro) a coisa não era tão fácil quanto parece. Só pela coragem em trazer esta questão à roda, Ubaldo Ribeiro merece o destaque tão merecido que o livro teve.

Embora tenha esta carga reflexiva e algumas intertextualidades - CDL é uma pessoa que, por ser estudada, conhece e cita outros escritores e filósofos ao longo de suas digressões -, a narrativa é de fácil entendimento. A narradora fala como se estivesse conversando diretamente com o seu leitor, contando os fatos como lhes vem a mente. As vezes, eles podem chocar os leitores menos abertos ao amor livre (como quando conta dos relacionamentos com o irmão, com o tio e com algumas mulheres a quem amou), mas tudo é contado com sentimento e sinceridade. Aliás, a sinceridade é um dos ingredientes que prendem o leitor para querer saber que fim, afinal, a história terá.

Que A Casa dos Budas Ditosos é uma obra extremamente bem feita é inegável. Polêmica? Talvez. Mas, sem dúvida, uma leitura que vale a pena ser feita.

Livro: A Casa dos Budas Ditosos
Autor: João Ubaldo Ribeiro
Páginas: 164
Editora: Objetiva
Sinopse: Quando vários jornais anunciaram que João Ubaldo Ribeiro estava escrevendo um romance sobre a luxúria, para a coleção Plenos Pecados, da Editora Objetiva, o escritor foi surpreendido com um misterioso pacote em sua portaria. Eram os originais de A Casa dos Budas Ditosos. Depois da gula (Luis Fernando Verissimo), da ira (por José Roberto Torero) e da inveja (por Zuenir Ventura), chega agora a vez de João Ubaldo escrever sobre a luxúria na coleção Plenos Pecados. O livro traz a história de CLB, uma mulher de 68 anos, nascida na Bahia e residente no Rio de Janeiro, que jamais se furtou a viver - com todo o prazer e sem respingos de culpa - as infinitas possibilidades do sexo. Seriam as memórias desta senhora devassa e libertina um relato verídico? Ou tudo não passa de uma brincadeira do autor? Nunca saberemos. Importa é que ninguém conseguirá ficar indiferente à franqueza rara deste relato e a seu humor corrosivo.
Livro no skoob.

Sobre a Autora:
Fernanda Rodrigues é bacharela em Letras (Português e Inglês) e licenciada no curso de Formação de Professores da USJT. Além de ser professora de Língua Inglesa, é louca por assuntos que envolvam a Literatura, as demais artes e o processo de ensino e aprendizagem. Escreve no Algumas Observações e no Teoria, Prática e Aprendizado.

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